...É PRECISO TER ASAS,PARA SE AMAR O ABISMO...

domingo, 26 de abril de 2009

Depoimento com emoção...




Emocionante como uma criança pode definir um sentimento, que muitos adultos não sabem nem mesmo o que é.


Artigo do Dr. Rogério Brandão

Médico oncologista clinico

RC Recife Boa Vista D4500


“Sou médico do instituto do cancro, já calejado com longos uns 29 anos de actuação profissional, e com toda vivência e experiência que o exercício da medicina traz, posso afirmar que cresci e me modifiquei com os dramas vivenciados pelos meus pacientes.
Dizem que a dor é quem ensina a gemer. Não conhecemos a nossa verdadeira dimensão, até que, pegos pela adversidade, descobrimos que somos capazes de ir muito mais além. Descobrimos uma força mágica que nos ergue, nos anima, e não raro, descobrimo-mo-nos confortando aqueles que vieram para nos confortar.

Um dia, um anjo passou por mim...Recordo-me com emoção do Hospital do Cancro de Pernambuco, onde dei os meus primeiros passos como profissional.

Nesse hospital, comecei a frequentar a enfermaria infantil, e a apaixonar-me pela oncopediatria. Mas também comecei a vivenciar os dramas dos meus pacientes, particularmente os das crianças, que via como vítimas inocentes desta terrível doença que é o cancro.

Com o nascimento da minha primeira filha, comecei a acobardar-me ao ver o sofrimento destas crianças. Até o dia em que um anjo passou por mim.O meu anjo veio na forma de uma criança já com 11 anos, calejada porém por 2 longos anos de tratamentos os mais diversos, hospitais, exames, manipulações, injecções, e todos os desconfortos trazidos pelos programas de quimioterapia e radioterapia. Mas nunca vi o meu anjo a fraquejar.

Via-a sim chorar, muitas vezes, mas não via fraqueza no seu choro. Via medo nos seus olhinhos algumas vezes, e isso é humano! Mas via confiança e determinação. Ela entregava o bracinho à enfermeira, e com uma lágrima nos olhos dizia:

faça tia, é preciso para eu ficar boa.

Um dia, cheguei ao hospital de manhã cedinho e encontrei o meu anjo sozinho no quarto. Perguntei pela mãe. E comecei a ouvir uma resposta que ainda hoje não consigo contar sem sentir profunda emoção.
O meu anjo respondeu: - Tio, disse-me ela, às vezes minha mãe sai do quarto para chorar escondida nos corredores. Quando eu morrer, acho que ela vai ficar com muitas saudades de mim. Mas eu não tenho medo de morrer, tio. Não nasci para esta vida!
Pensando no que a morte representava para as crianças, que assistem aos seus heróis morrerem e ressuscitarem nas series e filmes,perguntei:

- E o que é que a morte representa para ti, minha querida?

- Olhe tio, quando somos pequenos, às vezes, vamos dormir na cama do nosso pai e no outro dia acordamos no nosso quarto, na nossa própria cama não é? (Lembrei-me das minhas filhas, na altura crianças de 6 e 2 anos, e que costumavam dormir no meu quarto e depois de adormecerem eu procedia exactamente assim.)

- É isso mesmo, e então?

- Vou explicar o que acontece, continuou ela:

Quando nós dormimos, o nosso pai vem e leva-nos nos braços para o nosso quarto, para nossa cama, não é?

- É isso mesmo querida, és muito esperta!

- Olhe tio, eu não nasci para esta vida! Um dia eu vou dormir e o meu Pai vem me buscar.

Vou acordar na casa Dele, na minha vida verdadeira!Fiquei "entupido".

Boquiaberto, não sabia o que dizer. Chocado com o pensamento deste anjinho, com a maturidade que o sofrimento acelerou, com a visão e grande espiritualidade desta criança, fiquei parado, sem acção.

-A minha mãe vai ficar com muitas saudades minhas.

- Emendou ela.Emocionado, com um nó na garganta, contendo uma lágrima e um soluço, perguntei ao meu anjo:

- E o que é que saudade significa para ti, minha querida?

- Não sabe tio? Saudade é o amor que fica!

"Hoje,com 53 anos de idade, desafio qualquer um dar uma definição melhor, mais directa e mais simples para a palavra saudade: é o amor que fica!Um anjo passou por mim... Foi enviado para me dizer que existe muito mais entre o céu e a terra, do que nos permitimos ver.

Que geralmente, absolutilizamos tudo que é relativo (carros novos, casas, roupas de marca, jóias) enquanto relativizamos a única coisa absoluta que temos, a nossa transcendência.O meu anjinho já se foi, há longos anos.

Mas deixou-me uma grande lição, vindo de alguém que jamais pensei, por ser criança e portadora de grave doença, e a quem nunca mais esqueci. Deixou uma lição que ajudou a melhorar a minha vida, a tentar ser mais humano e carinhoso com os meus doentes, a repensar os meus valores.

Que bom que existe saudade! E o amor que ficou é eterno!!!

1 Comentários:

Blogger Zé do Cão disse...

Amor, amor.
Que liçaõ minha dá esta criança







do zé

26 de abril de 2009 às 16:16  

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