...É PRECISO TER ASAS,PARA SE AMAR O ABISMO...

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008


Falando de Traição



Crescemos a ouvir dizer que os homens traem muito mais do que as mulheres e isso parece ser um consenso geral. Sempre ficamos intrigados com essa quase competição, mas a meu ver, no mínimo, não há vencedores. Também sempre nos pareceu muito claro a permissividade, e às vezes até estímulo à traição masculina, assim como a grande repressão à traição feminina. Logo a avaliação de quem trai mais, além de totalmente inútil é, por todas essas condições, impossível de ser feita.
É inegável que a mulher traída geralmente é vista como a vítima de algum danado mulherengo. Digna da solidariedade das pessoas, não se vê necessariamente atingida em quesitos pessoais, como respeitabilidade social. Historicamente, houve momentos - e creio que em muitos lugares e cabeças ainda há - em que ser traída é esperado e considerado absolutamente normal. Isso vem do tempo em que o sexo com as respectivas mulheres teria que ser "respeitoso" e, portanto, cheio de restrições. Se esse era o comportamento respeitoso, logo sexo sem restrições com outras mulheres não oferecia nenhuma ameaça. As mulheres conformaram-se com esse destino, algumas vezes até vendo nesse costume a vantagem de não ter que fazer muito sexo, assunto cheio de tabus e preconceitos, levando a dimensão do prazer da sua prática para muito longe.
Independente do gênero, traição provoca dor nos homens e nas mulheres mas não tenhamos dúvidas de que para os homens é mais devastador. Além da "dor de amor", o homem traído é visto, principalmente por outros homens, de uma forma muito humilhante, como se ficasse destituído da sua virilidade, masculinidade e respeitabilidade. O "corno" é motivo de gozo e ridicularização. Fica mais difícil recuperar-se e superar a situação com tanta pressão cultural acumulada ao longo do tempo. A mentalidade colectiva está a mudar, é um facto, mas isso acontece de forma muito lenta e diluída.
A mulher quando trai, muitas vezes não divide a experiência com ninguém e costuma ser bastante cuidadosa com as possibilidades de ser descoberta. Quando isso acontece, as consequências são sempre graves e dificultam muito o processo de resolução da questão, ficando muitas vezes implícito que ela nada merece e que perdeu toda e qualquer razão que pudesse ter por se ter envolvido com outra pessoa.
A traição feminina clássica é aquela que se caracteriza por um encantamento, a paixão da mulher por outra pessoa ou, pelo menos, pela situação de se estar a sentir valorizada e desejada por alguém. Geralmente é um comportamento que vem acompanhado de muitos conflitos, porque o envolvimento afectivo leva a fantasias românticas e, consequentemente, ao sofrimento. Mesmo quando não querem de nenhuma forma a separação, tendem a ter uma expectativa de reciprocidade amorosa. Essas mulheres reclamam da falta de atenção dos seus maridos/companheiros. Sentem a falta de comportamentos românticos e de se sentirem surpreeendidas como nos velhos tempos. Reclamam que até sexualmente se sentem pouco compreendidas e contempladas. A vida ficou familiar demais e acabam a sentir-se carentes da sedução masculina. É preciso muita maturidade para ultrapassar essa sensação de monotonia dentro da própria relação. A mulher costuma sentir-se muito culpada e temerosa pelas consequências. Acaba por ficar muito aflita e ansiosa.
Temos visto de forma assustadoramente crescente, ultimamente, a traição motivada por grau altíssimo de vaidade e dificuldade com o envelhecimento. Numa época de tanto culto à jovialidade e associação dessa característica com sensualidade, algumas mulheres têm muita dificuldade em aceitar as transformações físicas pelas quais estão a passar e tornam-se vigilantes e actuantes implacáveis das medidas anti-envelhecimento.Fazem ginásio, gastam grande parte do seu tempo a fazer tratamentos de beleza e, quando desejadas por homens mais jovens, vêem nisso a confirmação da sua eterna juventude. Essas traições pouco envolvem o romantismo citado anteriormente. Parecem ser um movimento individual, um grande restaurador para o ego, quase um antídoto para a baixa auto-estima.
Ouvimos com espantosa frequência mulheres que reclamam do tédio que se instalou nas suas vidas amorosas. Sentem-se com muito pouco espaço e intimidade para falar dos sentimentos com os seus maridos e suficientemente fragilizadas para a iniciativa de efectuar mudanças práticas nas suas vidas. Muitas vezes essas modificações nem sequer dizem respeito ao casamento, mas sim a outros segmentos da vida.
A verdade é que relações longas requerem cuidados e investimentos incessantes por parte de todos os envolvidos. A traição pode trazer sopros momentâneos de motivação e sensação de se estar vivo e feliz. Mas, quando não se quer desfazer o casamento, é melhor partir para formas mais eficazes e seguras de enfrentar o problema.
Quando não existe mais amor e desejo, aquele casamento já não faz mais sentido e está a ser mantido quase que exclusivamente pelo medo de rompê-lo. É melhor criar consciência e coragem para viver o fim, e dessa forma ficar livre para caminhar em direcção a momentos mais felizes e verdadeiros. Às vezes, por medo de ficarmos sozinhos, mantemo-nos indefinidamente vivendo a famosa e terrível solidão a dois.
Todos merecemos outra chance. Caminhar na direcção de sentir plenitude e felicidade vale muito mais a pena. Algumas vezes a nova chance está na reestruturação da própria relação e outras vezes, no final da mesma.

3 Comentários:

Blogger João disse...

Texto maravilhoso e de quem percebe do que fala.
Mtos parabens

Passa no meu e deixa a tua opiniao sff.

Beijinhos

1 de dezembro de 2008 às 15:05  
Blogger duarte disse...

é por isso que considero maio de 68 grandioso...tão abrangente!
Eu (graças a deus) tive a sorte de crescer numa sociedade onde relação rima com paixão e amor com tudo...vivo sem complexos e não suporto complexidade numa coisa tão simples.quanto a traições quem disse que o ser humano é monogamo?
podemos andar perdidos de amor e ao mesmo tempo ter um ímpeto selvagem de luxuria? muitas vezes a necessidade de estabilidade emocional de um casal reside no bem estar dos filhos...mas (está visto)nem sempre resulta.
para mim o importante é sentir e desejar fazer sentir,numa espiral de emoções sentimentos e prazer...todo o resto acontece.
duartenovale com abraços.

1 de dezembro de 2008 às 18:52  
Blogger José António Borges da Rocha disse...

Texto extenso, mas denso e conciso. GOSTEI do que li e vai de encontro à minha maneira pessoal de ver a "coisa".

Aqui, como em quase todo o manacial cultural português, ainda existe e pre.existe muito preconceito...

Tudo o que for feito - E ESTE POST VAI NESSE SENTIDO - para irradiar o preconceito é trabalho profícuo: PARABÉNS.

2 de dezembro de 2008 às 06:23  

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