...e porque é sexta feira...chegou-me a nostalgia... Aqui fica este belo poema de Joaquim Pessoa!
É PROVÁVEL QUE AINDA A AME
É provável, sim, é provável que ainda a ame,
Que ame ainda nela o que antes soube amar,
A cabeleira escura, o ventre inquietante,
O peito guardando a alegria dum coração solar.
Os meus olhos profundos sempre a contemplaram
Visivelmente perturbados, até mesmo perdidos,
Quando ela caminhava abrindo rasgões no ar
Que se fechavam depois à sua passagem
Para cingir-lhe os braços, os seios e as ancas.
A sua boca tremeu na minha com a sede da música
E o seu contacto era o do musgo e da cinza
E dessas cerejas maduras pelo lume de Maio.
Não sei se estou a endeusá-la ou se ela é uma deusa.
Não sei mesmo se conseguirei dizer dela quanto gostaria.
Ela está tão perto do meu corpo que a minha pele se acende
E tão longe dos meus olhos que só poderei lembrá-la.
Fizemos muito amor e sempre muitas vezes
Sem que entre nós esvoaçasse uma mínima sombra.
Quando ficávamos tristes, é que o espanto crescia
Até ao minuto primeiro da tristeza.
É uma mulher maravilhosa, o seu nome que importa?,
Tão frágil como um menino inocente, assim desamparada,
Correndo para a loucura como antes correu para os meus braços.
Nenhuma paixão poderia doer-me mais.
Nenhuma ternura poderia mimar-me tanto
O meu poema é uma casa erguida com a sua beleza
Onde ela entra e de onde sai e algumas vezes se demora.
Poderei dizer que o meu coração é uma sala vazia?
A sua recordação ainda me perturba e disso tenho consciência.
Amo-a ainda ou não a amo já, é impossível dizer,
Mas é provável, sim, é provável que ainda a ame.
(JP)
2 Comentários:
apaixonadamente...perturbador.
não conhecia,cresci mais um pouco,obrigado pela partilha...
duarte ainda a ler nas entrelinhas.
Será da Branca que fala o Quim?!
Bom fim de semana.
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