Perdido o pudor fica o poder
Houve um elemento que se destacou na "Quadratura do Círculo" quando José Pacheco Pereira "enunciou" o "problema" da ida de Jorge Coelho para a Mota-Engil. Foi o silêncio de Jorge Coelho. Ouviu coisas terríveis a seu respeito e ouviu-as impávido. Foram enunciadas sugestões de compadrio, sinecura, favoritismo e até incompetência para o lugar que vai assumir. Jorge Coelho manteve-se esfíngico não manifestando ter sentido qualquer ofensa. Se a sentiu ou não, não sei. Sei que não a manifestou. Conseguiu manter-se imperturbado enquanto era apregoado um terrível libelo de incoerências da vida pública em Portugal com ele no epicentro de impropriedades de comportamento. Nada de ilegal, mas tudo impróprio.O antigo ministro do Equipamento Social de António Guterres não clamou nem inocência, nem ultraje. Olhou de frente o seu acusador e, com o silêncio, deu a única resposta que saiu do seu empedernido semblante e que eu traduzo como querendo dizer "É assim!". E é mesmo assim em Portugal. Perde-se o pudor, fica-se com o poder. Nada de ilegal, mas tudo despudorado. O Conselho de Administração da Mota-Engil será uma constante reunião de Bloco Central, com dois antigos ministros das tutelas das construções do Estado em governos PS e PSD a desenhar estratégias para ganhar concursos públicos que vão ser decididos por funcionários que foram seus subordinados ou a conseguir de autarcas correligionários interpretações de PDM mais favoráveis a isto ou aquilo que se queira cobrir de vigas pré-esforçadas, argamassa ou asfalto. E se os antigos ministros não chegarem a nenhuma conclusão ainda há lá um antigo secretário de Estado entendedor dessas complexidades das obras públicas para afastar empecilhos do lucro. O colosso a que Jorge Coelho agora preside opera sobretudo na área do domínio do que é público em Portugal.Tudo adjudicado por governos em que os seus quadros participaram. Claro que a Mota-Engil tem hoje interesses no estrangeiro, mas não me parece que Jorge Coelho tenha sido contratado para dar o seu parecer sobre a estrada entre Perote e Banderilla, que está agora a construir no México. A vantagem de ter um presidente executivo como Jorge Coelho é local. Só pode ter sido a sua agenda de contactos que a Mota-Engil adquiriu porque essa é a sua grande mais-valia. É nesta capacidade única de fazer rede entre o Estado, interesses privados, políticos e público-privados que reside o nexo de causalidade da escolha de um operador político para um lugar de gestão. Este acto, conjuntamente com o caso BCP, assinala uma capitulação a uma realidade insofismável.A maior parte do sector privado lusitano só quer e, se calhar, só pode subsistir associado à tutela estatal e não tem pejo em subordinar-se aos operadores puramente políticos, abandonando a evolução de culturas de empresas inovadoras desenvolvidas por gestores profissionais que pusessem, finalmente, o mercado a funcionar em Portugal. No curto prazo, este hesitante sector privado nascido dos cravos de Abril parece ver mais ganhos incorporando governos em si próprio do que emancipando-se de tutelas constrangedoras. Claro que daqui para a frente não haverá concurso que a Mota-Engil ganhe (ou perca) onde não se detecte a impressão digital de Jorge Coelho e não se fique com a sensação de que o mercado não está a funcionar. Numa altura de novas pontes, ferrovias e aeroportos vai ser interessante observar o relacionamento entre a Mota-Engil de Jorge Coelho e a Lusoponte de Ferreira do Amaral, também ele em tempos ministro de Cavaco Silva com responsabilidades tutelares passadas no sector público-privado que agora administra. A participação da Mota-Engil no capital da Lusoponte é, segundo o seu relatório de contas, o maior investimento financeiro disponível para venda do grupo. Vão concorrer um contra o outro? Provavelmente, vão. Mas ninguém vai perder! Surpreendente? Não! Afinal foi assim que o Bloco Central se formou e se mantém. À custa dos milagres do método de Hondt, onde a partir de um certo número de votos nunca ninguém perdeu um lugar lá porque perdeu uma eleição. Só que Victor d'Hondt, provavelmente, nunca imaginou ver o seu método aplicado à economia de mercado.
Mário Crespo escreve no JN, semanalmente, às segundas-feiras
2 Comentários:
Há duas hipóteses para ter ficado calado: ou evacuou no pessoal ou então perdeu de tal forma a vergonha que evacuou no pessoal.
ratita, o homem começou por ser 'maoísta'. Desistiu, por manifesta dificuldade com a língua. Toda aquela conversa deve ter soado a chinês!!!!
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